1ª Leitura: Jr 23,1-6
Sl 22
2ª Leitura: Ef 2,13-18
Evangelho: Mc 6,30-34
Ele teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor…
A primeira leitura é um trecho da primeira seção do livro de Jeremias, a saber, os capítulos 1-25, que trazem oráculos de juízo contra Judá e Israel. O trecho de hoje, Jr 23,1-6, lança um juízo sobre os maus pastores, os que “dispersam” as ovelhas do Senhor, o “seu rebanho” (cf. Jr 23,2). Ao mesmo tempo, este trecho da profecia nos fala da promessa de um “rei justo”, que governará o povo conduzindo-o nos caminhos do Senhor (cf. Jr 23,5ss).
A responsabilidade dos pastores era proteger o rebanho contra os animais selvagens que viessem destrui-lo. Mas aqui os pastores são acusados de serem eles próprios como os animais selvagens, destruindo o rebanho o qual eles deveriam proteger, afugentando as ovelhas e não cuidando delas. Embora o termo “pastor” possam se referir a qualquer um dos líderes de Judá, o contexto nos faz pensar particularmente nos reis. Deve-se notar aqui que o rebanho é particularmente designado como sendo “o rebanho da minha (de Deus) pastagem” (cf. Jr 23,1). Essa expressão “rebanho da minha pastagem” nós a encontramos nos Salmos 74,1; 79,13, 95,7 e 100,3).
Os autores interpretam o Ai! de abertura da perícope como uma ameaça contra os pastores, identificados como os reis de Judá desde Joacaz até Sedecias, que com a colaboração das autoridades civis e religiosas destruíram e dispersaram o povo de Deus. Em virtude da sua idolatria (Jr 2,8) acontecerá também a destruição iminente (Jr 10,21-22), destruição essa que atingirá pastores e ovelhas (Jr 22,22-30; 25,34-36). Todavia, como se trata do rebanho escolhido de Deus, este se levantará contra esses pastores que, ao invés de cuidar do seu rebanho, colaboram para sua dispersão e expulsão da Palestina para o desterro do exílio.
O v. 3 significa que uma reunião do rebanho após este ter sido espalhado, dissipado, está para acontecer. A rebelião da nação e a rejeição da aliança foi o motivo que os levou ao exílio. Todavia, os pastores foram os responsáveis pelo estado de coisas que resultou na realização das “maldições da aliança”, ou seja, o povo, não instruído pelos pastores, deixou de cumprir a sua parte no pacto e, por isso, sofreu as maldições anexas ao não cumprimento do pacto, assim como receberia as bênçãos referentes ao cumprimento do pacto, se tivessem se mantido na fidelidade a Deus.
As ações dos pastores resultam na dispersão do rebanho, no seu desterro, mas as ações de Deus irão reunir o povo, como percebemos no esquema abaixo proposto (cf. Jr 23,2-3):
A Vocês (pastores) dispersaram meu rebanho
B e o lançastes fora
C e não cuidastes dele
C’ Eu (o Senhor) irei cuidar dele
A’ Eu irei reunir o resto de meu rebanho
B’ Eu os farei retornar
Quando eles voltarem, existirá para eles “pastagem”, “habitação”. As últimas duas palavras do versículo 23 nos remetem ao texto da criação no Gênesis: “Elas (as ovelhas do Senhor) se reproduzirão e multiplicarão”.
Devemos, todavia, ler esse texto à luz do Novo Testamento e, particularmente no contexto da liturgia prevista para hoje, à luz de Mc 6,30-34. O trecho do evangelho em questão encontra-se dentro do bloco onde Marcos narra o ministério de Jesus na Galileia e que compreende os capítulos 1,14 – 7,23. Em Mc 6,7ss Jesus havia enviado os discípulos dois a dois para pregar a boa nova do Reino. Estes, ao regressarem, contam a Jesus tudo o que haviam feito e o Senhor os leva a um lugar reservado com o intuito de fazê-los “descansar um pouco”. Contudo, a multidão os vê partir e, quando chegam ao lugar que seria “de descanso” acabam se deparando com a imensa multidão, que estava, no dizer de Marcos, como “ovelhas sem pastor” (cf. Mc 6,34). A atitude de Jesus é ter compaixão e começar a ensinar às ovelhas muitas coisas. Bastante forte é o verbo usado por Marcos para indicar que Jesus teve compaixão.
Para descrever a “compaixão de Jesus” Marcos se utiliza de um verbo grego que, em sentido ativo, significa “comer as entranhas de um animal sacrificado”. Em sentido passivo, como aparece no nosso texto, significa “ter as suas entranhas comidas”. Sabemos que Escritura do Antigo Testamento assim se expressava a respeito da misericórdia divina, falando que Deus tem “entranhas/vísceras de misericórdia”. Aqui é como se Jesus, nosso Cordeiro Pascal, que haveria de ser sacrificado por nós, tivesse já antecipadamente as suas entranhas, o seu mais íntimo, mexido e revolvido por causa das ovelhas, que estavam perdidas, como ovelhas sem pastor.
Ele, o verdadeiro pastor que supera todos os outros da Antiga Aliança, se move interiormente de amor pelas ovelhas. Trata-se de um modo muito plástico e dramático de nos fazer visualizar a misericórdia do Cristo: o seu mais íntimo se contorce de amor! E Jesus começa a ensiná-las… O ensinamento do pastor é já expressão da sua misericórdia.
Quantas são as ovelhas que hoje perecem por falta de ensinamento, ou ainda pior, por receberem de alguns pastores, ensinamentos espúrios (cf. Os 4,4-6; Ml 2,1-9). Rezemos por aqueles que tem na Igreja o dever de ensinar, por aqueles que compartilham com o Mestre a sua função didascálica. Que o rebanho não pereça por falta de um ensinamento claro e corajoso daqueles que o Cristo constituiu como verdadeiros pastores. E que as ovelhas, por sua vez, intercedam por seus pastores, para que, à exemplo do Bom Pastor, possam cuidar daqueles que lhes foram confiados, de todas as ovelhas do Cristo, particularmente das perdidas e das feridas. Quem em seus lábios se ache a doçura da verdade; que instruam com paciência e que conduzam muitos ao caminho da vida e da salvação.