O tempo de Páscoa é todo penetrado pela luz de Cristo, que ressuscitou glorioso na madrugada do primeiro dia da semana judaica (cf. Mt 28,1). Os cristãos vivem essa época sagrada e bela num contexto nacional conturbado e sombrio. Aliás, muitas vezes na história da Igreja se verificou o contraste entre a luz e a alegria do santuário e a penumbra do ambiente respectivo. Ora, para ilustrar tal realidade, vem muito a propósito a sentença do Apóstolo São Pedro: “Fazeis bem em recorrer à palavra dos Profetas como a uma luz que brilha em lugar escuro, até que raie o dia e desponte a estrela Dalva em nossos corações” (2Pd 1,19).
A imagem utilizada pelo Apóstolo é a de um casebre escuro porque é noite; nessa choupana vai entrando aos poucos a luz da aurora, que anuncia o pleno dia; a claridade faz das trevas penumbra e por fim será soberana. Aos moradores da casa é bom olhar para a estrela Dalva que vai raiando e persuadir-se de que se lhe seguirá a claridade perfeita do sol refulgente.
Tentemos interpretar essa imagem pela própria Escritura: o Messias era esperado no Antigo Testamento como uma grande luz (cf. Is 60,1-3). A sua primeira vinda ao mundo na gruta de Belém foi comparada a uma aurora (Nm 24,17; Lc 1,78), cujo brilho devia, e deve, intensificar-se e expandir-se cada vez mais até o fim dos tempos; Cristo então voltará para rematar a história e dizer a palavra definitiva, pronunciando a vitória da Luz sobre as trevas ou do Bem sobre o mal. Os dois mil anos de Cristianismo não são mais do que a convivência das trevas do pecado e do velho mundo com a luz e a nova criação inaugurada pelo Salvador. É preciso que o cristão saiba percorrer a história com firme esperança, paciência e amor, sem se deixar impressionar pelos momentos mais contrastantes; …faz-se mister olhar para o futuro mais do que para o passado, pois é do futuro que se derivam as diretrizes da caminhada presente.
O Apóstolo faz desse contraste de luz e trevas uma aplicação muito pessoal: “até que desponte a estrela Dalva em nossos corações”. Isto quer dizer que em cada um de nós se reproduz a história da Igreja e da humanidade. O discípulo de Cristo traz em si uma centelha da luz definitiva e uma semente da vida futura, que ele deve saber cultivar na sua rotina cotidiana, permitindo que vão desabrochando até o dia do encontro pessoal com Cristo, no fim dos seus decênios de peregrinação terrestre. Quanto mais o cristão se abre a essa luz que o Senhor lhe oferece nas Escrituras e na Eucaristia, tanto mais as trevas se lhe dissipam e a luz da consumação o penetra.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 323, Abril/1989.